sexta-feira, 19 de abril de 2024

DISPUTAS BEM-VINDAS

Jorge Martin manteve a liderança da MotoGP, apesar de não ter subido ao pódio no Circuito das Américas, após travar bons embates com vários adversários na corrida, para delírio do público.

            A temporada 2024 da MotoGP tem saído melhor que a encomenda, pelo menos nestas três provas iniciais da competição. Apesar do amplo favoritismo, a Ducati, apesar de confirmar ser ainda a melhor moto do grid, não está conseguindo impor o seu domínio como muitos esperavam. E temos visto outros atores no palco brilhando de forma inesperada.

            Candidato óbvio ao título, Francesco “Pecco” Bagnaia começou o ano com tudo: venceu a corrida de estréia da temporada, no Qatar, e foi 4º colocado na prova Sprint de Losail, resultado que repetiu na prova curta em Portimão. Mas, na corrida principal, um incidente com Marc Márquez acabou com a corrida do bicampeão, que amargou seu primeiro abandono em 2024. Nada de pânico, essas coisas podem acontecer. O que não pode é deixar virar rotina. Já no Circuito das Américas, o campeão reinante teve um desempenho modesto, sendo apenas 8º na prova Sprint, e 5º colocado na corrida principal, em um fim de semana onde ficou atrás de Enea Bastianini, seu colega de equipe na escuderia oficial de Borgo Panigale. Com isso, Bagnaia acumula “apenas” 50 pontos no campeonato, ocupando a 5ª posição, algo inesperado para quem tinha começado o ano como o grande favorito, em que pese todo mundo saber que haveriam rivais com capacidade para complicar a disputa.

            E o principal rival, todos imaginavam, seria Jorge Martin. Vice-campeão de 2023, o piloto da Pramac, time satélite da Ducati, tenderia a vir mordido para a competição em 2024, ávido por tentar levar o título que perdeu na temporada passada. E “Martinator” vem confirmando as expectativas: venceu a corrida Sprint de Losail, onde foi 3º colocado na prova principal, posições invertidas em Portimão, onde foi 3º na corrida curta, e venceu a prova de domingo. E, em Austin, minimizou eventuais prejuízos com um 3º lugar (Sprint) e 4º lugar (prova principal). Tudo isso colocou “Martinator” na liderança do campeonato, com 80 pontos, ostentando uma vantagem considerável para o vice-líder, Bastianini, do time oficial da Ducati, que tem 59 pontos, 21 de desvantagem para o piloto da Pramac. Um avanço significativo, mas que não ilude o vice-campeão de 2023, ao afirmar que Bagnaia ainda é o principal favorito ao título, procurando não se empolgar demais, e jogando a pressão para o bicampeão, que terá de correr atrás do prejuízo, que já é de 30 pontos. Nada que não possa ser recuperado, já que em 2022 vimos Bagnaia recuperar quase 100 pontos de desvantagem para Fabio Quartararo na briga pelo título daquele ano, e sagrar-se campeão.

Uma largada ruim quase arruinou as chances de Maverick Viñalez, mas o espanhol foi à luta para se recuperar e ainda vencer a corrida.

            Mas não é exatamente a mesma coisa. Bagnaia tinha uma Ducati muito mais competitiva que a Yamaha de Quartararo, que foi levando nas costas a disputa, e perdendo na reta final, diante da pressão do italiano, e de alguns azares do francês. Em 2024, tanto Bagnaia quanto Martin possuem o mesmo equipamento, a Desmosédici GP24, sendo a única diferença a estrutura maior do time oficial da Ducati em relação à Pramac. E o espanhol, de desafiante, virou a caça. Bagnaia ainda tem tudo para reverter a situação, mas a parada promete ser dura, e não dá para contar com azares ou erros do espanhol, que parece ter aprendido com os percalços que o fizeram perder a briga pelo título em 2023, e que foram importantes lições a serem compreendidas para evitar repetir a mesma situação este ano. Além disso, o atual bicampeão terá que lidar com a competição mais acirrada de outros rivais.

            O primeiro deles é Enea Bastianini, que no ano passado ficou fora de combate devido a um acidente sofrido na primeira etapa, que impactou seu rendimento pelo resto da temporada, conseguindo mostrar sua capacidade em raros momentos, quando Bagnaia já estava disparado na briga pelo título com um surpreendente Jorge Martin. A Ducati foi compreensiva com Bastianini, sabendo dos problemas que seu piloto enfrentou, mantendo seu contrato de dois anos, apesar das especulações de uma possível troca que seria feita com Martin e a Pramac com Enea, que não se consumou. Mas, com Bagnaia já de contrato renovado com a equipe de fábrica, Bastianini precisa se garantir, e sem ter os mesmos percalços de 2023, está indo à luta como se esperava. Ele ainda não venceu, mas já acumula dois pódios, e neste momento, ocupa a vice-liderança na classificação, à frente do atual companheiro e bicampeão Bagnaia, que é o 5º colocado. E ele não querer dar mole na pista, se quiser manter seu lugar na escuderia, que é mais do que visado por Martin desde o ano retrasado. Por isso mesmo, “Pecco” terá no compatriota um rival que tem tudo para lhe dar tanto trabalho quanto Jorge Martin, especialmente porque seu lugar está em jogo, portanto, será cada um por si na pista, desde que não arrumem confusão desnecessária.

Pedro Acosta já é a sensação da temporada, conquistando dois pódios consecutivos, e liderando um GP pela primeira vez (acima). Já Marc Márquez (abaixo) está voltando a disputar as primeiras posições com a Gresini, e brigou pela vitória em Austin, até cair sozinho após assumir a liderança.


            Outro rival, este um pouco mais inesperado, pode ser Maverick Viñalez. O piloto da Aprilia já venceu duas sprints, e ainda arrancou uma vitória espetacular em Austin, depois de cair para o meio do pelotão após largar na pole da prova principal. O feito levou o espanhol à 3ª posição na tabela, com 56 pontos, e ao feito de ser o primeiro piloto na era da MotoGP a vencer corridas por três marcas diferentes, tendo triunfado com a Suzuki, Yamaha, e agora com a Aprilia. Saído em baixa da Yamaha, Viñalez tem agora a oportunidade de recuperar sua imagem na competição, com uma Aprilia mais forte do que todos imaginavam, e que pode entrar firme na briga pelo título, diante da performance vista no Circuito das Américas. Maverick falhou na largada, perdendo várias posições, e precisou recuperar tudo na pista, até alcançar novamente a liderança, e receber a bandeirada depois de uma luta renhida nas voltas finais.

            O resultado da corrida no Circuito das Américas, contudo, precisa ser visto com cuidado. Não que a vitória de Maverick Viñalez seja indesejada, mas no ano passado, vimos justamente naquele circuito uma vitória firme com um desempenho mais do que positivo de Álex Rins, com a equipe LCR, time satélite da Honda, que teve ali sua única vitória em toda a temporada, na qual esteve longe de conseguir repetir o mesmo desempenho visto com o piloto na pista do Texas. Rins tinha feito uma boa corrida Sprint, e na prova principal, no domingo, não apenas repetiu a boa forma, como ainda venceu a corrida, mesmo que aproveitando-se de erros dos adversários. Só que foi o único momento de nota da Honda em todo o ano, que depois só ocupou o noticiário pela perda de Marc Márquez para a temporada deste ano, preferindo arriscar-se com um time satélite da Ducati do que permanecer com a marca nipônica, que mostrava-se perdida e sem perspectivas de melhora a curto prazo.

            Seria ruim termos uma repetição deste panorama, pois a entrada da Aprilia numa briga por vitórias seria boa para o campeonato, trazendo mais imprevisibilidade e disputas pelas melhores posições. E há outro ponto a se enfatizar de uma melhora da Aprilia: Aleix Spargaró até agora ainda não se achou na temporada, mas foi ele o piloto a obter os melhores resultados da marca italiana nos últimos dois anos, inclusive obtendo as vitórias da equipe. Estando 30 pontos atrás de Viñalez, ele ainda pode vir para cima, ajudando a engrossar o bolo das disputas na temporada, se a Aprilia continuar com a boa forma exibida nos Estados Unidos, mas que já tinha sido vista em parte em Portugal, onde Maverick só não terminou melhor porque enfrentou uma quebra da moto na corrida principal.

            Na pista, Marc Márquez é outro nome que vem demonstrando a velha classe que o levou a conquistar seis títulos na classe rainha, e só não venceu em Austin porque acabou caindo logo após assumir a liderança. Verdade que ainda faltava boa parte da corrida, mas o modo como a “Formiga Atômica” vai ficando mais íntimo da Desmosédici indica que ele fez um acordo certeiro com a Gresini para a temporada 2024, mesmo dispondo de uma moto 2023. Marc, mesmo ainda se entrosando à escuderia, já começou a deixar o irmão caçula Álex, que já tem um ano de casa no time, comendo poeira na pista, sendo que o hexacampeão ainda fala em estar descobrindo os limites da moto, além de ter deixar para trás certos hábitos de pilotagem oriundos de seu tempo na Honda, que não são exatamente bem aplicáveis à moto italiana. E seu objetivo principal era, acima de tudo, confirmar se ainda era competitivo, depois de todos os percalços das últimas temporadas, e da queda brutal de desempenho da Honda na competição. Ao que parece, Marc ainda conserva boa parte do talento e capacidade que o fizeram ser o grande destaque da MotoGP na década passada, e tem tudo para voltar às vitórias, e quem sabe, à luta pelo título. Se lembrarmos que a Gresini quase disputou o título em 2022 com Enea Bastianini, nada impede que Márquez repita o mesmo feito, assim que se encaixar melhor com a moto italiana. Subestimar a “Formiga Atômica” é um erro que não pode ser cometido, e os rivais que abram o olho. O enrosco com Bagnaia em Portimão foi um incidente aparentemente isolado, mas que pode ser o prenúncio de novos duelos em futuro mais do que próximo. Mas, estamos vendo que faltava mesmo era equipamento para Marc Márquez voltar a dar seus shows na competição.

Enea Bastianini (acima) voltou à velha forma, e é o vice-líder do campeonato. Já Luca Marini (abaixo) paga os pecados com uma Honda irreconhecível em Austin, depois de uma vitória em 2023 com Álex Rins ali.


            A resposta fica ainda mais contundente se virmos como a Honda se portou em Austin: terminou em última na pista com Luca Marini, numa distante 17ª posição, sendo que seus outros pilotos ou caíram, ou abandonaram a corrida com problemas, sem conseguirem em nenhum momento saírem do fundo do pelotão, indicando que o momento atual da marca da asa dourada é bem deprimente, em nada lembrando os tempos de domínio vislumbrados com Marc Márquez ao volante da moto nipônica. Sua arquirrival Yamaha também enfrenta problemas, mas está um pouco melhor na competição, ainda que esteja longe dos dias de glória que já desfrutou em tempos recentes. As duas marcas vão ter muito trabalho pela frente para voltarem a disputar as primeiras posições no grid e nas corridas, tendo que se contentarem no momento com o papel de meras coadjuvantes.

            Mas enquanto Honda e Yamaha negam fogo nas expectativas de voltarem a brigar como protagonistas, a grande sensação deste início de temporada é sem sombra de dúvidas o espanhol Pedro Acosta, a grande aposta da KTM, que chegou a colocar seu contratado Pol Spargaró, que tinha contrato para defender a equipe satélite Tech3 este ano, na geladeira, a fim de não perder o jovem talento para a concorrência. Apesar do modo pouco ético que foi afastar um de seus pilotos com contrato assegurado, o desempenho de Acosta nestas três primeiras etapas vem causando um tremendo frisson, e justificando a atitude da marca austríaca. Acosta já chegou até a liderar corrida, e faturou em Austin seu segundo pódio consecutivo, depois de também ter sido 3º colocado na etapa anterior, em Portimão, Portugal. Mesmo correndo pelo time satélite da KTM, a Tech3, que usa a marca Gasgas, Acosta já deixou a dupla titular do time oficial de fábrica para trás na classificação, ocupando a 4ª colocação, com 54 pontos. Brad Binder é o 6º colocado, com 49 pontos, e Jack Miller o 10º, com 22 pontos. Miller, aliás, já viu que está na marca do pênalti no time austríaco, prevendo que a nova promessa Acosta irá ocupar seu lugar em 2025. Houve até quem afirmasse que isso iria acontecer já nesta temporada, mas a própria KTM tratou de desmentir tal fato, dizendo que ali as coisas não acontecem desse jeito, dando uma clara alfinetada na compatriota Red Bull na F-1, onde Helmut Marko, em seus dias de mau humor, não hesita em sacar seus pilotos a torto e a direito, se sentir que eles não dão retorno.

"Pecco" Bagnaia quer o tricampeonato, mas vai ter de ralar na pista para superar os adversários, que tem outras idéias.

            Mas o fato é que a estréia acima das expectativas do novato mexeu com os brios da KTM, a ponto de surgirem rumores de que a marca pode trocar toda a sua dupla de pilotos do time de fábrica para 2025, indicando que Brad Binder também não estaria rendendo tudo o que pode, diante do desempenho surpreendente de Acosta com uma moto do time satélite da marca austríaca. Se a situação de Miller já é complicada, Binder ficaria também a pé para o próximo ano, se a KTM resolver mudar seus ares.

            Mas isso é algo que irá ter foco para 2025, e no momento, a atenção é para a disputa do título de 2024, e a MotoGP começou bem seu ano, oferecendo imprevisibilidade e emoção, apesar de uma expectativa de domínio que é real, mas que não tem conseguido se materializar como se esperava, pelo menos por enquanto. Quando isso irá acontecer não se sabe, mas até lá, os fãs seguirão aproveitando os duelos e pegas que a classe rainha do motociclismo sabe oferecer melhor do que ninguém.

 

 

A Fórmula 1 retorna à China, de onde estava ausente nas últimas quatro temporadas, devido à pandemia da Covid-19, sendo que a última corrida no circuito de Shanghai foi em 2019. Naquela edição, a prova teve dobradinha da equipe Mercedes, com Lewis Hamilton vencendo a corrida, e Valtteri Bottas terminando em 2º lugar, sendo que o finlandês havia largado na pole-position, com Hamilton partindo a seu lado, na primeira fila. O pódio foi completado por Sebastian Vettel, da Ferrari. Hoje, o panorama é bem diferente na categoria máxima do automobilismo. A Ferrari ainda ocupa um papel de desafiante, ainda que tênue, frente a outro time dominador, no caso, a Red Bull, que não deve ter problemas em conquistar uma nova vitória na temporada, e com um pouco de sorte, mais uma dobradinha, dependendo de como os adversários se apresentarem. A prova chinesa terá pela primeira vez um piloto de seu país presente no grid, no caso, Guanyou Zhou, da Sauber, que irá correr pela primeira vez diante de seu público conterrâneo na F-1. Depois de um desempenho pífio após bons treinos livres, a Mercedes afirma que parece ter compreendido melhor o comportamento de seu modelo W15, e espera poder tirar uma melhor performance na etapa chinesa, uma história que já vimos, restando saber se o time alemão mostrará de fato alguma evolução nesta etapa.

 

 

A China, além de voltar ao calendário da competição, também irá estrear as corridas Sprint na temporada 2024, algo que motivou críticas de vários pilotos, diante da necessidade de precisarem ajustar os novos bólidos com efeito-solo ao traçado de Shanghai, onde eles ainda não tiveram chance de correr com o novo regulamento técnico. Haverá apenas um treino livre, e depois, os pilotos já terão de fazer a classificação para a corrida curta, que será neste sábado, com transmissão ao vivo pela TV Bandeirantes, a partir da meia-noite, pelo horário de Brasília. Depois de realizada a prova Sprint, os pilotos ainda terão de realizar a classificação para a corrida de domingo, com largada às 04:00 Hrs. da madrugada, pelo horário de Brasília, também com transmissão ao vivo pela TV Bandeirantes.

A bela pista de Shanghai está de volta ao calendário da F-1.

 

 

Depois do fiasco que foi o Desafio do Milhão, realizado na pista do Thermal Club, na Califórnia, a Indycar retoma seu campeonato com uma etapa de verdade, o GP de Long Beach, prova mais badalada da competição depois das 500 Milhas de Indianápolis, realizada desde 1977 nas ruas do balneário ao sul de Los Angeles, primeiro como etapa da F-1, passando pela F-Indy original, e atualmente como parte do calendário da Indycar. A corrida terá transmissão ao vivo neste domingo a partir das 16:30 Hrs., pela Tv Cultura em TV aberta, e pela ESPN4 na TV por assinatura, além do serviço de streaming Star+. Josef Newgarden venceu a etapa de abertura, em São Petesburgo, e lidera a competição, mais uma vez em busca do sonhado tricampeonato, no qual já bateu na trave duas vezes. Vamos ver se ele consegue repetir o desempenho nas ruas de Long Beach, e manter firme a liderança da competição...

quarta-feira, 17 de abril de 2024

CARROS DA HISTÓRIA DA FÓRMULA 1 – ESTRÉIA

            Tentando variar um pouco alguns materiais que trago neste blog, inicio hoje uma série de matérias que ocasionalmente focará em alguns modelos de carros que fazem parte da história da Fórmula 1. Durante seus mais de 70 anos de existência, a F-1 viu diversos projetos competirem, ou tentarem competir, nos mais diversos GPs. Alguns projetos foram extremamente vitoriosos, outros, fracassos monumentais, e outros, apenas convencionais, produzindo alguns frutos, ou simplesmente dando dores de cabeça para seus times. E a história mostra que sempre houve mais fracassos do que sucessos na história do automobilismo, ainda que não possamos classificar de fracasso certos projetos, que só tiveram azar de competir com outros ainda melhores, enquanto alguns eram apenas ruins mesmo, ou medianos, dependendo da concorrência que enfrentavam.

            Por isso, na primeira matéria desta série, nada de um fracasso monumental, ou de um grande sucesso entre os projetos que já disputaram o campeonato da categoria máxima do automobilismo. Vamos ver um destes projetos “do meio”, que nasceu cercado de expectativas, mas não deu certo, embora não tenha dado tão errado como poderia, também, diante das circunstâncias: o modelo 101T produzido pela antiga Lotus, para a temporada de 1989. Uma boa leitura, e espero que apreciem o texto...

LOTUS 101T


 

Ficha Técnica

 

Equipe: Lotus

Modelo: 101T

Ano: 1989

Projetista: Frank Dernie

Desenhista: Mike Coughlan

Engenheiro-chefe: Tim Feast

Motor: Judd V-8 CV 90° 3,5 litros

Potência: 620 HPs

Peso: 500 Kg

 

A equipe Lotus era uma das mais tradicionais escuderias da história da Fórmula 1 até o final dos anos 1980, mas o time teve um comportamento instável durante aquela década. A equipe até ensaiou um retorno às lutas pelo título entre 1986 e 1987, com o brasileiro Ayrton Senna, mas não durou muito. E o modelo Lotus 101T foi o carro com o qual a equipe competiu na temporada de 1989. Era movido por um motor Judd V-8, e naquela temporada a escuderia fundada por Colin Chapman teve como pilotos o primeiro tricampeão mundial brasileiro na F-1, Nelson Piquet, e o japonês Satoru Nakajima, em sua terceira temporada com a equipe inglesa, por onde estreara em 1987, por influência da Honda, que passara a fornecer os motores do time.

A temporada de 1988 foi abaixo da crítica, devido aos vários problemas apresentados pelo modelo 100T, que culminou na demissão de seu projetista, Gerard Ducarouge, e a contratação de Frank Dernie, chefe de aerodinâmica da Williams, que já tinha trabalhado com Nélson Piquet na escuderia de Didicot, quando Nélson sagrou-se tricampeão. Como Dernie chegou à Lotus apenas por volta de novembro de 1988, ocupando a partir dali o cargo de Diretor Técnico e Projetista-chefe, boa parte do projeto do modelo 101T já estava sendo desenvolvido por chefe de desenho Mike Coughlan, de modo que coube a Dernie finalizar o projeto, dentro das possibilidades. E elas não pareciam muito otimistas.

A Lotus apostava que o modelo 101T seria leve e ágil para encarar seus rivais, mas os resultados ficaram aquém do esperado.


A Lotus havia perdido o motor Honda para 1989. Embora o plano dos japoneses já fosse de trabalhar apenas com a McLaren na nova era aspirada, teoricamente eles poderiam ter continuado com a Lotus, até porque o time tinha Piquet, que havia sido o primeiro campeão com motor Honda, e o brasileiro era valorizado pelos japoneses por essa conquista. Mas a fraca campanha de 1988 pôs tudo a perder, e para o ano seguinte, que inauguraria a nova era dos motores aspirados, a Lotus acabou virando cliente de John Judd, que era um dos novos fornecedores de motores da categoria máxima do automobilismo.

Só que a Lotus não pôde contar com os melhores motores produzidos pela Judd, os modelos EV V-8 76º, que seriam exclusivos da March naquele ano. A opção foi correr com os CV V-8 90º, que no ano anterior tinham equipado a Williams, e mostrado uma grande falta de fiabilidade e potência. Eram um equipamento satisfatório para times médios e pequenos, mas não para um time que visava vitórias e o título, mas não havia muito o que fazer. O motor possuía 8 cilindros em V, em ângulo de 90º, e potência estimada em cerca de 620 HPs, com cabeçotes de 4 válvulas por cilindro. Uma das novidades estéticas do bólido era sua tomada de ar para o motor, central, situada acima da cabeça do piloto, com um design bem arrojado, com o propósito de servir como um maximizador da condução do ar para o motor, tentando simular um “turbo natural”. Este tipo de entrada de ar já tinha sido visto no ano anterior, no modelo FW12 da Williams, mas o modelo da Lotus era mais alto e estreito, colaborando para o visual estreito do carro, que em tese, deveria sofrer menos resistência aerodinâmica em alta velocidade, produzindo menos arrasto.

O motor Judd V-8 modelo CV: falta de potência e de fiabilidade ajudaram a comprometer as expectativas para a temporada de 1989.

 

O uso do motor Judd permitiu que Frank Dernie e Mike Coughlan projetassem um carro menor e bem mais leve que seu antecessor, que em tese deveria ser bem ágil. Na verdade, o carro chegou a ser tão estreito que foi necessário construir um volante especial para permitir que os pilotos pudessem acomodar melhor as mãos dentro do cockpit. E, pensando em como poderiam obter algum tipo de vantagem, a escuderia firmou um acordo com a Tickford para desenvolvimento de um cabeçote especial de 5 válvulas por cilindro, que em teoria poderia proporcionar um incremento de até 50 HPs ao motor Judd CV, o que lhes permitiria voltar a brigar pelas primeiras posições por vitórias, e quem sabe, até o título, apesar da supremacia da McLaren/Honda na competição. Além disso, para agilizar o projeto do novo carro, que já estava atrasado, vários sistemas e componentes do modelo 100T foram aproveitados no novo 101T, na base de estudos de viabilidade, cujo maior qualidade era que, se não quebrava, era algo confiável, desde que não tivesse culpa no desempenho sofrível que o carro antigo teve na temporada de 1988, cujas falhas haviam sido bem identificadas àquela altura. E as lições que foram aprendidas deveriam servir de base para se evitar repetir os mesmos erros no novo carro para 1989. Na teoria, tudo parecia caminhar racionalmente bem.

Pela experiência que tivera quando trabalharam juntos na Williams, Piquet definiu que o 101T seria praticamente um “Fórmula Piquet”, já que confiava na capacidade de Dernie na área técnica. Porém, os recursos disponíveis na Lotus não eram os mesmos que Dernie podia dispor na Williams, e ele não conseguiu projetar o carro inteiramente como gostaria, tendo que se contentar em apenas finalizar o que a equipe já tinha começado a desenvolver junto a Mika Coughlan, e torcer para que o otimismo em relação ao novo projeto não fosse demasiado. Por isso, não foi exatamente surpresa que o otimismo inicial e a recepção favorável por parte da administração e do piloto logo evaporaram após os primeiros testes no início de 1989, pois o 101T provou não ser bom como eles esperavam. Não apenas os motores Judd versão cliente foram avaliados como muito fracos, debitando cerca de 620 HPs, numa expectativa de um déficit de cerca de 80 HPs para o motor Honda V-10 dominante usado pela McLaren, para não mencionar que os pneus Goodyear que a equipe estava usando tinham sido projetados principalmente para uso pelas equipes McLaren e Ferrari, que além de possuírem motores mais pesados e potentes (o que permitia um aquecimento mais rápido dos pneus), tinham mais recursos para poderem testar e ajustar seus chassis para interagirem ainda melhor com os compostos.

Na Austrália, debaixo de uma chuva torrencial, o melhor desempenho da carreira de Satoru Nakajima na F-1, com um 4º lugar e a volta mais rápida da corrida, na despedida da Lotus.

 

O novo modelo 101T era de fato bem mais rápido que o fracassado 100T. Só para comparação, Nélson Piquet havia largado no GP Brasil de 1988 na 5ª posição com o tempo de 1min30s087, e com o novo carro, em 1989, ele largou com o tempo de 1min27s437, só que na 9ª posição. Mas, Ayrton Senna, que marcou a pole nas duas provas, em 1988 e 1989, com McLaren/Honda, tinha feito o tempo de min28s096, e 1min25s302, respectivamente. Portanto, apesar de ser um chassi bem mais desenvolvido e evoluído que o fracassado modelo 100T de 1988, ainda assim o novo modelo 101T não conseguiu propiciar uma recuperação da Lotus entre as forças do grid, que melhoraram igualmente, e até se saindo melhor que o time inglês em vários momentos. E ficava difícil conseguir obter resultados significativos à medida que a temporada avançava.

A velocidade não era boa, devido à falta de potência do motor Judd frente aos propulsores mais fortes, como o Honda, Ferrari, e Renault, e até mesmo alguns Fords, dependendo do carro, e para piorar, a confiabilidade do carro também não era das melhores, com vários problemas mecânicos surgindo aqui e ali, ajudando a complicar uma situação já difícil, e os propulsores CV de John Judd também continuavam a perpetuar sua má fama de falta de confiabilidade, além da falta de potência já mencionada. A falta de potência do motor condenava o carro da Lotus em velocidade de reta, sendo muito mais lento que vários carros mais potentes, uma obviedade, mas por vezes chegando a serem superados por carros com outros motores V-8, o que não ajudava nas tentativas de ultrapassagem. Como desgraça pouca é bobagem, o projeto do cabeçote de 5 válvulas concebido pela Tickford para uso nos propulsores Judd revelou-se completamente infrutífero, pelo que o time voltou a usar a configuração tradicional dos motores V-8, mas tendo até ali perdido tempo e recursos que poderiam ter proporcionado melhores desenvolvimentos no chassi. Com vários azares em corridas, aliado à performance deficiente do carro, e problemas mecânicos aos montes, Nélson Piquet só foi conseguir seus primeiros pontos no GP do Canadá daquele ano, a sexta etapa da temporada, e ainda assim graças a vários abandonos na prova disputada debaixo de chuva em Montreal. Aos poucos, o carro ganhava confiabilidade, ainda que performance e velocidade fossem outros quinhentos. Ainda assim, o time começava a ganhar melhor desempenho frente aos concorrentes do segundo pelotão do grid.

No GP do Canadá, enfim os primeiros pontos da temporada com o novo carro, com um 4º lugar de Nélson Piquet.
 

A título de comparação, a melhor equipe com motores Judd, a March, que inclusive dispunha do melhor propulsor da fábrica, o modelo EV, bem mais potente, e mais estreito, graças à arquitetura de 76º nas bancadas de cilindros, foi ficando ainda mais para trás, mesmo em relação à Lotus, por enfrentar tantos ou até mais problemas que o time fundado por Colin Chapman. Visualmente, o modelo 101T só não era o bólido mais estreito do grid porque o modelo CG891 da March era ainda mais estreito, um projeto por demais arrojado de uma nova estrela das pranchetas da categoria chamado Adrian Newey, que padecia ainda mais de confiabilidade do que o carro da Lotus, que era pelo menos bem mais bonito, se é que isso servia de consolo.

Em Silverstone, Piquet fez sua melhor exibição na temporada, graças a uma corrida onde não parou para trocar pneus, mas justamente por isso, perdeu um pódio quando acabou superado a oito voltas do final por Alessandro Naninni, da Benetton/Ford, que tinha trocado de compostos e era bem mais veloz que o brasileiro àquela altura da prova. Piquet ainda regressaria aos pontos nas etapas da Alemanha e da Hungria, e aos poucos, ia colhendo seus pontos, começando a ter uma perspectiva um pouco mais otimista, ou talvez um pouco menos pessimista, para a segunda metade da temporada, embora muito longe ainda do que todos imaginavam estar no começo do ano. Mas a performance continuava capenga, e num fim de semana onde os azares se acumularam, a Lotus teve o desprazer de não se classificar por completo pela primeira vez na sua história, quando nem Piquet e Nakajima conseguiram tempo para alinhar no grid do GP da Bélgica de 1989, apesar dos esforços de ambos os pilotos.

Foi o fim da picada para os pilotos do time, que começaram a procurar alternativas para 1990. A Lotus só teria um breve refresco justamente nas duas provas finais da temporada, com Piquet a conseguir um bom 4º lugar no GP do Japão, e Satoru Nakajima fazendo a corrida de sua vida na F-1 ao repetir o mesmo 4º lugar no GP da Austrália, debaixo de uma chuva torrencial, onde caiu para último lugar, e veio se recuperando, evitando cometer erros no piso tremendamente molhado da pista urbana de Adelaide. Aliás, nesta corrida o piloto japonês também fez a volta mais rápida da prova, ajudando a Lotus a terminar o ano com algum otimismo para o ano seguinte. Foram 15 pontos obtidos pela escuderia naquele ano, e diante das adversidades enfrentadas, pode-se até dizer que não foi tão ruim. E certamente, muitas lições aprendidas que seriam úteis para tentar reerguer a escuderia em 1990.

Apesar de não contar mais com o motor Honda, a marca japonesa continuou apoiando Nakajima na Lotus em 1989.

        Esta pontuação fez a Lotus terminar a temporada de 1989 na 6ª colocação, e só faltou 1 ponto para igualar a 5ª colocada, a Tyrrel, que havia marcado 16 pontos, e tivera sorte de conseguir um quase improvável pódio naquele ano, mostrando que poderia ter ficado atrás da Lotus se tivesse um pouco mais de azar. Não foi exatamente um resultado ruim, se considerarmos que as quatro primeiras colocadas foram McLaren, Ferrari, Williams, e Benetton, todas equipes de fábrica, e com propulsores de primeira linha. Mas também não tão bom, se levarmos em conta a temporada anterior, onde mesmo com o problemático modelo 100T, ficaram em 4º lugar, com 23 pontos. Apesar dos avanços técnicos, diante de trabalhar com um equipamento inferior, o time andou para trás, no cômputo geral. As lições tiradas de 1989 serviriam para a Lotus ter melhor sorte no ano seguinte? Era o que todos tinham em mente na escuderia...

Mas a temporada de 1990 seria um ano muito diferente para o tradicional time inglês. Apesar da expectativa quanto ao uso do motor Lamborghini V-12, visto como uma opção mais competitiva que o Judd CV V-8, o time tinha perdido sua dupla de pilotos. Nélson Piquet se mudaria para a Benetton, onde tentaria recuperar seu prestígio na F-1, enquanto Nakajima iria se aventurar na Tyrrell. Caberia então à nova dupla de pilotos, Derek Warwick e Martin Donelly a tarefa de tentarem levantar a Lotus no grid, com um novo modelo, o 102T, mas isso é história para outra ocasião. E houve problemas financeiros, com vários patrocinadores a debandarem do time, ainda que tivessem mantido a Camel na escuderia, o que evitou uma perda ainda maior de recursos necessários para tentar recuperar a competitividade da equipe.

A temporada de 1989 foi o segundo prego no caixão que levaria a Lotus a encerrar suas atividades na competição alguns anos depois.

No GP da Alemanha, Nélson Piquet salvou alguns pontos, apesar da falta de potência do seu motor Judd nas longas retas de Hockenhein.

Problemas de fiabilidade e vários azares diversos comprometeram as chances de melhores resultados para a Lotus com seu modelo 101T na temporada de 1989.

O modelo 101T exposto junto a outros carros da história da Lotus.

No Japão, outro bom 4º lugar de Piquet, em seus últimos pontos pela Lotus na carreira.

 
A entrada de ar era elegante e tinha um design arrojado.

Em Silverstone, Piquet teve sua melhor performance na temporada, quase conseguindo levar o modelo 101T ao pódio, perdido para a Benetton de Alessandro Nanini nas voltas finais da prova, onde andou boa parte em 3º lugar.